Nas próximas três semanas é natural que o Macroscópio visite várias
vezes a campanha eleitoral. É uma eleição importante e muito disputada,
há opções cruciais que estão em jogo e continua a ser elevado o número
de indecisos. Mas não quero ficar preso às andanças dos líderes e aos
casos que vão fazendo o dia-a-dia, pelo que aqui continuarão a ser
tratados outros temos. Hoje trazemos dois, ambos repetentes no
Macroscópio: a eleição de Jeremy Corbyn e a crise dos refugiados.
A eleição de Corbyn só terá surpreendido quem não seguiu as sondagens. O
que surpreendeu e continua a surpreender é o facto de os trabalhistas
ingleses terem eleito o líder mais à esquerda das últimas décadas –
porventura de toda a sua história. Duvidam? Então leiam este pequeno apanhado das suas propostas,
nomeadamente a ideia de que o Reino Unido deve abandonar a
NATO e desmarcar-se de qualquer país que promovesse ataques aéreos
contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (para uma visão mais
alargada, leiam “Este homem vai pintar o Partido Trabalhista de vermelho”).
Duas notas sobre a sua vitória na imprensa portuguesa. Uma de uma Teresa de Sousa preocupada, no Público – “O
destino do Labour é mais um sério aviso sobre o que se está a passar na
paisagem política europeia, com a emergência de forças de natureza
populista ou extremista, à direita e à esquerda, que desafiam cada vez
mais o establishment político europeu num sentido que pode acabar por
ser fatal. Corbyn é a última confirmação de que a social-democracia
europeia ainda não conseguiu encontrar um caminho suficientemente
distinto do centro-direita”. Outra quase entusiasmada de Ana Sá Lopes, no jornal I – “Para
o bem ou para o mal, Corbyn ganhou porque apresentou uma agenda
radicalmente diferente da da esquerda mole que, na Europa, é
praticamente indistinta da dos conservadores e dos liberais. Não sabemos
como acaba o filme (as últimas esperanças da esquerda, de Hollande a
Alexis Tsipras, revelaram-se rotundos fracassos), mas pelo menos sabemos
que, so far, Corbyn agita as águas paradas dos socialistas europeus
bem-comportados.”
Entretanto, enquanto uma parte do PS ficava embaraçada, e outra festejava,
na imprensa inglesa, mesmo na tradicionalmente próxima dos
trabalhistas, como o Guardian, não se nota muito entusiasmo, bem pelo
contrário. O editorial do Financial chama-lhe Labour’s disastrous choice e o colunista Philip Stephens acha que esta vitória tornou mais provável uma saída do Reino Unido da União Europeia: Corbyn win tilts balance towards Brexit. De facto, “During
more than 30 years as a backbench MP, the new Labour leader has been a
consistent opponent of EU membership. Brussels, in the eyes of many on
the far left, is the agent of international capitalism — the cheerleader
for a globalisation that has made the very rich richer while heaping
austerity on to the poor.”
No mesmo sentido se pronuncia o Wall Street Journal em British Labour’s Radical Turn, mas com preocupação, até quando compara a actual situação com a do início dos anos 80 do século passado: “And
unlike the early 1980s, when Labour last elected a similarly radical
leader, the economic and ideological trends are far less friendly to the
West. Mediocre economic growth brought about by bad economic ideas has a
way of making bad ideas more popular, not less. This is the lesson of
20th-century Argentina and 21st-century Greece.” No mesmo jornal, o comentador de assuntos europeus, Simon Nixon, nota que Election of Jeremy Corbyn as Labour Leader Sets Up British Politics for Bigger Divisions.
Isso acontece porque sublinha as diferenças existentes no seio da
própria esquerda europeia (sendo que a direita também enfrenta
divisões):
Across Europe, politicians and voters are struggling to formulate
responses to what economist André Sapir of the University of Brussels
calls The Great Transformation: the challenges to European societies
presented by globalization, technology and aging societies. Just as the
Great Transformation has split the European left between those who
accept the logic of market-based capitalism and those who regard
globalization as a neo-liberal plot to undermine hard-won social
protections for the benefit of a small, capitalist elite, so it is
causing divisions on the right, too.
Sobre o outro grande tema que continua a dominar a actualidade europeia,
a crise dos refugiados, é inevitável começar pela Alemanha e, aí,
procurar perceber o que se está a passar. Tenho por isso de começar pela
edição internacional da Spiegel, onde há um conjunto de artigos
interessantes:
- Welcoming the Refugees: Has Germany Really Changed?,
um ensaio de Juan Moreno, ele mesmo filho de emigrantes vindos da
Andalusia. É um testemunho ao mesmo tempo pessoal e jornalístico (ele é
jornalista na Spiegel) e que termina de uma forma que tanto pode deixar
os alemães tranquilos como inquietos: “What really gives me hope is
one single number: Over 30 percent of people in Germany under the age of
15 have immigration backgrounds. When they get married in 20 years, it
is theoretically possible that half of the people living in the country
won't be so-called "biological Germans." That, and only that, makes me
believe that, in the end, my parents may be proven right.” - 'Memories of Our Continent's Darkest Period',
uma entrevista com o chanceler austríaco Werner Faymann, onde este fala
do desapontamento com o que se está a passar na Hungria e avança com a
polémica ideia de serem criadas sanções para os países do Leste europeu
que não colaborem no esforço de acolher os refugiados. - Germany's Asylum System Struggles to Cope, um texto escrito antes das medidas de controle de fronteiras decididas este fim-de-semana, mas onde já se falava de um “breaking point” e de que o “system is already completely overwhelmed”.
- Refugees Still Set on Germany Despite Border Controls,
uma reportagem publicada hoje mesmo em que se dá conta da dificuldade
em acolher tantos refugiados, falando com eles, se explica porque querem
chegar e ficar na Alemanha, e só na Alemanha.
Esta situação levou os líderes europeus a falarem de novo do sistema de
Shengen, uma vez que vários países estão a suspender temporariamente os
acordos de livre circulação. Por isso mesmo, no Observador, preparámos
um Explicador oportuno e útil: Espaço Schengen. O que é e o que está em causa. São 13 as questões que tratámos de esclarecer: 1. O que é o espaço Schengen?; 2. Como é que surgiu? 3. Que países é que fazem parte? 4. Quando é que Portugal entrou para o espaço Schengen? 5. Quem é que ficou de fora? 6. Quais são as obrigações dos países que integram o espaço? 7. Sou cidadão de um país que não pertence ao espaço. Posso circular livremente? 8. O controlo de fronteiras pode ser reativado? 9. Até quando? 10. O que é que aconteceu com a Alemanha? 11. É a primeira vez que um país suspende os acordos? 12. O que é que está a acontecer ao espaço Schengen? 13. Quais são os perigos?
Mas para além das questões institucionais e políticas, esta crise
revelou fracturas na Europa diferentes das que, por exemplo, surgiram
durante a crise grega (que não está fechada, não se esqueçam, pois até
teremos novas eleições gerais no próximo domingo). O New York Times
abordou esse problema em Eastern Bloc’s Resistance to Refugees Highlights Europe’s Cultural and Political Divisions. É uma análise onde se sublinha, por exemplo, que “Unlike
countries in Western Europe, which have long histories of accepting
immigrants from diverse cultures, the former Communist states tend to be
highly homogeneous. Poland, for instance, is 98 percent white and 94
percent Catholic.”
Claro que há outras motivações, algumas bem complexas, como as profundas
diferenças de nível de vida. Por isso recomendo a leitura do artigo de
Uku Särekanno, um estónio que tem aconselhado o Governo do seu país em
Bruxelas, artigo que saiu no Politico: An Estonian recipe for asylum reform. Nele se recordam realidades que a emoção às vezes faz esquecer:
In an economic sense, the only way to reach a level playing field is
to ensure the same quality of life all over Europe. And here the gulf
between rich and poor is huge. Under Estonian law, refugees are entitled
to same social benefits as Estonian citizens, which means that a
refugee in Estonia (the 6th-poorest EU state) will receive €90 per
month. A refugee in Denmark, by comparison, gets €797. A harmonization
of social benefits for refugees is not a political option — none of the
governments in poorer states could explain to their citizens why
third-country nationals should be treated better than their own
citizens.
Já vai longo este Macroscópio (e um pouco tardio), pelo que me fico por
aqui. Ou quase, porque não quero que deixe de ver esta fotogaleria: Refugiados na Europa: onde é que já tínhamos visto isto?
Eles não são, nem foram, fantasmas – são, foram, pessoas como qualquer
um de nós, e isso fica tão, tão evidente nestes imagens...
Encontramo-nos de novo amanhã, tenham bom descanso e boas leituras.
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ANTÓNIO FONSECA
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