sexta-feira, 29 de maio de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 29 DE MAIO DE 2015

Macroscópio – Uma boa dose, e um até já‏

Macroscópio – Uma boa dose, e um até já

Para: antoniofonseca40@sapo.pt

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 
Sexta-feira, o fim-de-semana a iniciar-se quando receberem este Macroscópio. E eu a pensar na obrigação de vos deixar algumas sugestões de leitura mais substanciais. Até pelas (boas) razões que conhecerão no fim desta newsletter.
 
Começo assim por uma importante reportagem que nos diz muito:Extreme CityThe severe inequality of the Angolan oil boom. É um trabalho de Michael Specter de que o Observador até já apresentou um resumo, mas que merece ser lido com atenção. Vou-vos deixar um pequeno aperitivo do que esse repórter descreve:
Dos Santos is one of the city’s most ambitious restaurateurs. One day, I had lunch at Oon.dah, on the first floor of the Escom Center, another of her properties; the house specialty, the Wagyu Beef Hamburger, sells for about sixty dollars, and a half pound of tenderloin goes for twice that. A bottle of Cristal champagne costs twelve hundred dollars. Displaying such wealth in a country as impoverished as Angola can be a challenge. One member of the President’s inner circle owns a Rolls-Royce, but there are few good roads in Luanda. So every Sunday he loads the car into a trailer, takes it to the Marginal—a recently renovated two-mile-long promenade along the South Atlantic—drives it for a while on the capital’s only smooth road, loads it back into its trailer, and has it hauled away.
 
Um segundo texto de fundo para o qual chamo a vossa atenção saiu no Guardian e é a história, contada por uma jornalista francesa, de como se tornou “namorada” de um recrutador de militantes para o Estado Islâmico: Skyping with the enemy: I went undercover as a jihadi girlfriend. Trata-se de um extrato de um livro que já saiu h&aac= ute; alguns meses em França mas só agora chegou ao Reino Unido. É uma história impressionante pois revela não só a forma como funcionam as redes de recrutamento, mas a forma como os jihadistas podem agir como verdadeiros sedutores. Eis como:
Every morning that week, I awoke to find several affectionate messages from Bilel, all beginning with “my baby”. I received more from him than from my boyfriend. Over the next few weeks, Abu Bilel became a full-time job. During the day, I fact-checked his claims at the office. At night, my avatar took over, conversing with him over Skype and coaxing out new information, verifying it by tracking the latest battles online.
 
Continuando no domínio da reportagem, passo agora ao New York Times e a uma investigação que esse jornal realizou em França – sim, em França – sobre as redes de empresas que vivem sem existirem, fingindo dar sucessivas acções de formação a desempregados, tudo pago com fundos público e tudo com muito pouca, ou nenhuma, utilidade. O texto chama-se In Europe, Fake Jobs Can Have Real Benefits e conta-nos vários caos concretos de um país onde, afirma o NYT, existem centenas de companhias imaginárias – e serão milhares por essa Europa fora. Trata-se de um fantástico mundo virtual:
 A realistic work environment helps everyone stay in character. The staff members have to run the companies like real businesses. At Candelia, Ms. Dereuddre spent a week compiling a catalog of discounted furniture and a spring sales brochure to move inventory that hadn’t been selling well. To do so, she studied real market prices. “It might be fake,” she said with a laugh, “but we’ve got to make up for losses.” Several of the firms slid into virtual bankruptcy when they became unprofitable. When that happened, the staff members took steps to shut down the company. They also learned how to open a new one, including applying for loans at a fake bank. The lenders will even reject them if the application isn’t properly filled out.
 
Passo agora a algumas análises, começando por uma polémica: a entre dois historiadores económicos, Niall Ferguson e Robert Skidelsky, no Project Syndicate. Ferguson defende os cortes orçamentais que o governo de Cameron realizou no seu primeiro mandato, Skidelsky, biógrafo de Keynes e um keynesiano fervoroso, critica ferozmente essa austeridade. Deixo-lhes só os últimos textos dessa controvérsia, já com trocas anteriores de argumentos que podem ser encontradas nos links dos artigos. Escreveu Ferguson em The Economic Consequences of Mr. Osborne: “If the facts change,” John Maynard Keynes is supposed to have said, “I change my opinion. What do you do, sir?” It is a question his latter-day disciples should be asking themselves now”. Respondeu Skidelsky em Niall Ferguson’s Wishful Thinking: “Should the fact that the British economy grew last year by 2.6% have caused Keynesians to change their minds? Would it have caused Keynes to rewrite his General Theory of E mployment, Interest and Money? Ferguson seems to think so. I do not.”
 
(A propósito: Robert Skidelsky esteve a semana passada em Portugal para participar nas Conferências do Estoril, altura em que foi entrevistado por Nuno Martins, do Observador: “Nunca ninguém paga completamente a sua dívida se essa dívida for grande”. Vale a pena ler, até para ver como justifica o título.)
 
Uma outra análise interessante que encontrei foi a de Daniel A. Bell, um controverso cientista político que ensina numa universidade chinesa. Saiu na The Atlantic e chama-se Chinese Democracy Isn't Inevitable e parte de uma pergunta provocatória: “Can a political system be democratically legitimate without being democratic?” Eis parte da resposta, que não é fechada: “The Chinese people are proud of partaking in a civilization that stretches back several thousand years. Nobody disputes the idea that China should maintain, and build on, its great cultural achievements in realms ranging from cuisine to martial arts to medicine. So why not build on its great tradition of political meritocracy? That tradition, of course, needs to prove adaptable and viable in the modern world. As I see it, the system has shown real potential and should set the standard for further political reform. But at some point, the model must also be endorsed by the Chinese people.”
 
Finalmente, antes de entrar numa secção de quase curiosidades, passo ainda pela Standpoint e por um artigo de Douglas Murray,Is The West's Loss Of Faith Terminal? Estamos a falar, obviamente, da chamada “descristianização do Ocidente”, um fenómeno que, pelo menos na Europa, parece imparável. Murray pensa que, face aos desafios que teremos de enfrentar no futuro, isso pode ser perigoso: “We are not going to find another culture or a better culture. But we are currently doing a very poor job of saying what it is in this culture which has nurtured believers and doubters of previous generations and may nurture believers and doubters in this generation too. There will be big upheavals in the years ahead and it is not enough to face them stripped entirely bare. If the culture which shaped the West has no part in the future then we know that there are other s that will step into its place. To reinject our culture with some sense of a deeper purpose need not be a proselytising mission, but an aspiration of which we should be aware.”
 
Mas já que o tema é religião, permitam-me que vos deixe um outro testemunho, com o seu quê de surpreendente: As a gay atheist, I want to see the church oppose same-sex marriage. O testemunho é de Matthew Parris, saiu na britânica The Spectator, foi escrito a propósito do referendo irlandês e parte de um raciocínio muito franco e simples: “What’s the point of a religious tradition unless you believe that the majority can be wrong?”. Era bom que alguma militância por todos bem conhecida tivesse este grau de tolerância – toler&aci rc;ncia com quem, mesmo na antes tão católica Irlanda, ficou em minoria.
 
Agora duas quase curiosidades, mas ambas instrutivas. A primeira encontrei-a no ABC e chamou-me a atenção por se tratar de uma descoberta arqueológica que permitiu confirmar uma milenar passagem dos escritos do primeiro do historiadores, Heródoto. Referia-se a um povo nómada que vivia nas margens do Mar Negro e utilizava estimulantes para combater. Agora Descubren que la sádica tribu escita consumía cannabis y opio hace 2.400 años. Só um pormenor: a tribo em causa era considerada sádica por ser “famoso por costumbres bárbaras como beber se la sangre de sus enemigos tras su primera batalla”. Não liguemos a esta parte, surpreendamo-nos antes como Heródoto ainda é uma fonte fiável mesmo quando relata o que, aos olhos dos homens modernos, parece uma quase impossibilidade.
 
Outra história entre o curioso e o trágico é a da cidade japonesa de Chiran. Saiu no El Mundo: Una ciudad de Japón reivindica la memoria del Kamikaze en la II GM. Ou seja, “70 años después del fin de la guerra, la población de Chiran quiere que la colección de documentos se incluya en el programa Memoria del Mundo de la UNESCO”, argumentando que “la iniciativa no es una fórmula para 'glorificar la guerra', sino un recordatorio para 'contri buir a la causa de paz mundial'.” Só posso fazer um comentário: se quiserem saber mais, com mais profundidade, sobre o que foram e sentiram os pilotos suicidas portugueses, tentem encontrar à venda “Diário dos Kamikaze”. Verão aí como a elite intelectual de um Japão já derrotado, mas que não se rendia, escolheu o suicídio como forma de combate.
 
Bem, chego ao fim e, desta vez, despeço-me por uma semana inteira, pois só regresso a 8 de Junho. Vou descansar, e o Macroscópio também. Se quiserem encontrar-me, talvez me encontrem a caminhar por zonas como esta…
 
 
 

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ANTÓNIO FONSECA


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