Macroscópio – Alguns textos surpreendentes, para um melhor fim-de-semana
Macoscópio – Alguns textos surpreendentes, para um melhor fim-de-semana
Fim-de-semana, logo oportunidade para recuperar alguns textos variados, mas interessantes, que fui deixando para trás nestes dias e que escapam a uma catalogação fechada. Textos para ajudar a preencher as leituras destes dias mais livres (em princípio).
Comecemos pela imprensa portuguesa e, aí, por uma entrevista do jornal i, a com Ricardo Sá Fernandes publicada sábado passado: O PS é um partido minado pela cultura do favor e pela promiscuidade. Nela fala de pedofilia, do actual governo e da actual oposição, mas é a par te relativamente à Maçonaria – o advogado é um maçon assumido – que vou citar:
Eu sou cristão e sou maçon, é nos valores do cristianismo e da maçonaria que eu me inspiro. Agora, eu sei que as instituições da Igreja como as da maçonaria são instituições humanas, com muitas imperfeições, onde é também preciso deixar entrar o sol. (…) [Mas ] Se eu detectasse situações de corrupção no quadro da maçonaria, obviamente que a denunciaria à justiça profana. (…) Sou, primeiro, cidadão, e só depois maçon.
Continuando com textos publicados ainda no passado fim-de-semana, há um que é de leitura indispensável: a investigação de Helena Matos sobre as condições em que muitos por tugueses tiveram de regressar de Moçambique em 1974 e 1975: Chamaram-lhes retornados. Mesmo para quem tem alguma memória desses dias, há revelações surpreendentes (e chocantes), em especial sobre a forma como se comportaram as autoridades portuguesas e o seu máximo responsável, Vítor Crespo. Dele guarda-se a imagem de um moderado, que no PREC até integrou o “grupo dos nove”, alguém com uma imagem que contrastava com a Rosa Coutinho, o responsável pela transição em Angola. No entanto foi esse Vítor Crespo que, entre outros documentos legislativos de teor autoritário, assinou um que desafia todos os princípios do Estado de Direito. É assim que Helena Matos o recorda:
A culminar esta produ&ccedi l;ão legislativa a 2 de Novembro [de 1974] é publicado também o 12/74, que depois de considerar que certas garantias individuais “só podem realizar-se inteiramente num clima de completa estabilidade social” determina que “os detidos supeitos de prática de crime contra a descolonização não beneficiarão de habeas corpus”.
Um texto legislativo que dispensa comentários, mas apenas uma das muitas histórias recuperadas neste trabalho que relembra um drama que, na época, se quis ignorar (e que ainda hoje raramente é invocado).
Salto agora para o Diário Económico e para a interessante perspectiva de João Cardoso Rosas sobre um dos debates que nos ocupou ao longo desta semana, o das políticas de estímulo à natalidade: A cegueira agora é permanente. Para aquele cientista político, “Para além de ineficazes e ineficientes, as medidas de incentivo à natalidade são imorais. Aquilo que temos no mundo é um excesso de nascimentos, não um défice. A população mundial é já excessiva para a sustentabilidade do planeta em termos ambientais. Por isso as medidas de apoio à natalidade adoptadas pelos Estados são um caso típico do conflito moral entre o carácter global dos problemas que enfrentamos e a natureza local das soluções que tendemos a propor.” Que fazer então para combater o evidente desequilíbrio demográfico de países como o nosso? Com mais imigração: “Não é preciso defender visões idealistas sobre as migraç ões - a chamada tese das "fronteiras abertas" - para justificar políticas activas de imigração no nosso contexto. Podemos partir da perspectiva dita tradicional e mesmo nacionalista, afirmando a possibilidade do Estado e da sociedade escolherem com critério quem deve e quem não deve entrar. Não é demasiado difícil definir os grupos de imigrantes que interessam ao país, em função das suas qualificações, mas também dos seus valores culturais e da facilidade da sua integração.”
Continuando a falar de migrações, mas gora numa perspectiva muito diferente, regresso ao Observador para referir o texto em que Rui Ramos reflecte sobre o que se está a passar no Mediterrâneo, Mar de mortos. Depois de referir o fluxo de migrantes que o atravessam, muitos nele morrendo, para chegar à Europa, constata porém que “nenhum sistema de integração, por melhor que seja, pode prevenir a marginalidade e sobretudo a rejeição identitária da sociedade de acolhimento”. A solução não está, contudo, em "desmantelar os nossos Estados nacionais, em nome de um qualquer multiculturalismo, para supostamente melhor hospedar as diásporas, [pois isso] talvez não sirva senão para criar espaços povoados de tribos sem nada em comum, a não ser a desconfiança mútua. O nacionalismo deixou de ter boa imprensa. Mas as nações europeias, como base de solidariedade e cooperação entre os indivíduos, são uma aquisição demasiado p reciosa, e a sua defesa não deveria ser deixada a demagogos e a populistas.”
Vou agora até ao Público e ao texto desta semana do eurodeputado do PS Francisco Assis, O tempo democrático é sempre o tempo da acção precária. É uma reflexão com pontos interessantes sobre a evolução dos conceitos de liberdade e democracia, e que termina com uma constatação e uma recomendação:
Há dias atrás encontrei por acaso uma bela definição da democracia traduzida na ideia de que o tempo democrático é sempre o tempo da acção precária. Provavelmente, em nenhuma outra área do humano a contingência adquire tanta importância. Por tu do isto deveríamos desenvolver um grande esforço para que o período que antecede os próximos actos eleitorais seja marcado por um debate verdadeiramente livre e o mais possível descomprometido, aberto à intervenção de todos, seja qual for a respectiva proveniência, estatuto cívico-político ou posicionamento ideológico.
Deixo agora os sites portugueses para mais algumas sugestões de leitura, começando por uma mais política e mais provocatória: trata-se do textoPolitical Correctness Is Devouring Itself, publicado por Nick Cohen na Standpoint. Eis como o autor não poupa nem palavras, nem adjectivos:
The first wave of political correctness came in the ear ly 1990s, when the American Left was on its knees after the collapse of the Berlin Wall and triumph of capitalism. So risible was its condition, its chosen candidate for the US presidency was Bill Clinton, a shifty politician of no fixed conviction who had been pretty much bought by Wall Street. With no possibility of changing the world, campus radicals retreated into themselves and decided to change the university instead. Now they are in retreat again. Despite the Crash, the Occupy movement has fizzled out, and the American Left’s apparent candidate is Hillary Clinton, a shifty politician of no fixed conviction, who has been pretty much bought by Wall Street. And with today’s retreat come all the 1990s’ problems of speaking in private PC codes (…). With the retreat comes the pathetic insistence on reforming language rather than reforming society, and the old seductive delusion that you can censor your way to a better tomorr ow.
(Pequena nota à margem e a propósito: sobre o tema do domínio de certos sectores intelectuais nos meios académicos, Maria de Fátimo Bonifácio escreveu, no Público, em Uma ou duas coisas que Carvalho da Silva devia saber, que “A fatal indefinição do estatuto epistemológico das ciências sociais permitiu e incentivou a transformação da Universidade num local de catequização ideológica.”)
Mudando de registo ideológico, mas mantendo-nos nas ciências sociais, interessou-me bastante este texto do Guardian: I watch therefore I am: seven movi es that teach us key philosophy lessons. O diário inglês desafiou vários fisósofos – Julian Baggini, Christine Korsgaard, Ursula Coope, Peter Singer, Susan Haack, Kenneth Taylor e Slavoj Žižek – a reflectiem sobre vários filmes. Isto por que “The dilemma in chilling new drama Force Majeure raises philosophical quandaries, but it’s not the first film to do so.Memento, Ida and It’s A Wonderful Life all address the Big Questions”.
Guardei para o fim desta selecção de fim-de-semana um texto do historiador John Lukacs publicado na New York Review of Books, Monsters Together, sobre o livro The Devils’ Alliance: Hitler’s Pact with Stalin, 1939–1941. Lukacs é um historiador maravilhoso, autor de obras de referência e também de pequenas jóias, como Cinco Dias em Londres, Maio 1940 (Aletheia, 2007), onde conta os bastidores das discussões no governo inglês entre os que, depois da derrota em França, o país hesitou entre procurar um acordo com Hitler ou continuar a guerra, um debate de que Churchill, como sabemos, saiu vitorioso. Nesta sua interessante recensão ele resume o que se passou nos 22 meses em que Hitler e Estaline foram aliados, do pacto Molotov/Ribbentrop até ao início da Operação Barbarossa. Pequeno extracto:
Stalin ordered many friendly gestures toward Germany, including speeding up the deliveries of Soviet products there. He did not in the least react to a warning from Churchill about a prospective German attack against the Soviet Union. During the ten days before the Nazi inva sion—all kinds of information about the German threat notwithstanding—Stalin did his best or, rather, his worst, to affirm his faith in Hitler and in Germany. I do not know of a single instance of such abject behavior (for that is what it was) by a statesman of a great power. The German attack shocked Stalin into silence at first. (Molotov’s words after the German declaration of war were also telling: “Did we deserve this?”) Stalin’s first orders for the Soviet army were not to respond at all. It took him hours after the invasion—until noon—before he ordered the army to resist.
Despeço-me por hoje, com desejos de um bom fim-de-semana. O Macroscópio regressa na próxima segunda-feira. Até lá.
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ANTÓNIO FONSECA
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